domum

February 11, 2024 § 1 Comment

Por vezes sei, perco-me na procura

de tudo o que julgo ter encontrado

A proximidade de uma ternura

um aperto de mão sentido

um abraço quente e inesperado

gestos que lavram férteis o espaço amigo de uma casa

Posso mesmo dizer que na vertigem da viagem, tudo se aparta e reencontra

por dentro da esperança de um encontro exato

Logo, mal chegue aperta-me impetuoso a mão

no batente desse lugar seguro,

a resposta estremecida no limiar da porta

sob o galope apressado dos passos hesitantes

Abre logo

e deixa-me entrar nesse tempo de entendimento imediato

com todos os nomes que se uniram às veias diligentes do poema

já guarnecido e fecundo à boca do corpo

Um talher na direção precisa da resposta

Uma sede talhada pelo arco do lábio

na iminência da palavra líquida derramada

à mesa generosa do coração

sh

April 14, 2023 § Leave a comment

atravessa o silêncio
peixe-flor em ascensão
e da balsa tremeluzente 
abre asas das raízes da pedra 
pelo arcano da árvore 
alcança o fruto e devora-o 
pura seiva ao alcance da palavra 
pela correnteza da fome 
teu grão de terra fosforescente
resgate nesta ilha de luz

Hera

March 5, 2023 § Leave a comment

O amor

ave intempestiva de plúmeos olhos

permeia sendas pela planura da míngua

O que é suplício e anseio é flâmula

suave, insolúvel, súbita  

de pálidas e pluviosas manhãs

eloquentes caudas compadecidas

Turdus merula

February 12, 2023 § 2 Comments

a meio da estrada olho

paro para escutar os melros

vê-los despertar as casas da manhã

sempre os mesmos sempre outros

repetem-se mais adiante com a rua

trocam o chão por uma árvore

um galho pelo céu esfarrapado

misturam-se com a luz revezam-se

fogem-me sempre a mesma

sempre outra até esgotados os melros

as árvores o céu e o caminho

ignis

January 29, 2023 § Leave a comment

ainda haveremos de fazer um incêndio
deste amor que se erga das chamas
dos telhados às nuvens da manhã
pelo horizonte dos dias
atravesse os pássaros da carne
contra as janelas incandescentes
do tempo incendiado de paisagens
impossíveis de extinguir

columbae

January 23, 2023 § Leave a comment

Os pombos saracoteiam

felizes à porta da segurança social

Mergulham os bicos nos corpos

e arrulham apaixonados à primavera do amor

A par das comichosas moscas da espera

imploram sorte com a obstinação dos homens

em bando na impaciência dos números

Entre chafurdos espelhados e cigarros,

cinza no olhar enevoado, confiam

nos pomposos peitos columbídeos

contra as insolventes penas sociais

Homens, priscas e pombos continuos

no charco das permeáveis vidas

bicam em húmido acasalamento

quase feliz

hortus

January 14, 2023 § Leave a comment

A tua noite é longe

da minha noite

Mas brotamos na bruma

as mesmas flores de sangue

sal e solitude

Folhas perenes

e botões de infância

de perpétua luz

occidens

November 4, 2022 § Leave a comment

Os fantasmas encantam-me

como reflorescem a manta morta

dos dias que sobejam dos frutos

da memória humedecida dos sonhos

ao mesmo tempo que o esqueleto do fim

dança a vida pela eternidade do tempo

e eu desfaleço a estação num pé entalhado

de folhas no ciclo da dança transparente

e tropeço delirante nas raízes do amor

contra o peito firme dos poentes

amorosamente rubros

CAPITULUM

October 15, 2022 § Leave a comment

Depois de tudo isto meu amor

deste mundo avesso

destas nossas incursões pelo espaço-tempo

Já tanto faz a estação vindoura

os bichos que aconchegam

as gentes que desagregam

as marcas escusadas dos lugares perplexos

a fome o degelo o nuclear

Morreremos defraudados contra o abismo –

nossas bandeiras da rebelião

mastros de sal, trilhos inexplorados

planuras feridas

-, eternos garranos tresmalhados.

Lapis

September 21, 2022 § Leave a comment

Toda

– A PEDRA

tem uma ÁRVORE no coração

Basta que nasça a manhã

uma carícia de luz um assombro de chuva

uma sombra lambida pela curva da anca

para que germine um beijo um líquen

rebentos na plácida cabeça e alvoreça

– A PEDRA

quase pulso, quase sopro quase ESPANTO

Não fosse perigar recônditas vidas

adentraria os campos em poeira levitada

– A PEDRA

APEGO apelo poalha

amorosamente íntima das raízes

húmidas da terra

Fotografia de ©José Cabrita Nascimento

Labor

September 15, 2022 § Leave a comment

quando os barcos amanhecem
aporto no teu abrigo
as nuvens ondulam por sobre a urbe
a faina é um coração humedecido

peço-te pescador e aos peixes
um cardume de abraços para nascer o dia
acender os telhados de maresia

iluminar as marés
antes das velas novamente perfurarem a noite
ancorarem os barcos
deste nosso amor sitiado

https://tenor.com/es/ver/sailor-seas-ocean-water-think-gif-5452857

infidelitas

August 19, 2022 § Leave a comment

Preocupa-me solenemente a poesia do poema

Se lhe toco a pele delicada e a magoo

e uma veia subitamente rebentada rasga o sentido do acaso

Embate nas coisas do mundo abstrato

em curto-circuito de caminhos

E um jorro de sangue sobre as casas e

um miado de pedras sobre as ruínas

bufa um maremoto de sal sobre as igrejas

sem pontuação de gente para rezar

uma vírgula muda que seja da homilia

deste poema absolutamente incrédulo

da poesia louca pelas paisagens emolduradas

descurar a vulnerável veia do coração

quaerere

August 16, 2022 § Leave a comment

demando urgentemente que me procures

uma paisagem pura para inaugurar um verso

um arco de uma fachada vergado pela cintura

até que me doa a sombra pelos flancos da rima

e o eco de um rio sulque o ventre da palavra

costure uma árvore súbita na planura do poema

na verde seiva da estrofe humedecida do poema

uma pedra por dentro do amor no sangue do poema

que a terra lavra

https://www.behance.net/Vadim_Stein

sacramentum

August 11, 2022 § Leave a comment

Toda a mulher toda a árvore merece um poema

Um fruto um verso maior um amor pulmonar

Tem por isso de haver céu, rima, quem a ame e semeie

Possua de ramos o corpo incendiado ao vento

Para que o sangue desde as raízes leve a seiva ao coração

E toda a paisagem se escreva, expluda de vida

e enrubesça

Eednagarciasouris

Amor Domi

August 9, 2022 § Leave a comment

Nosso amor é agora o lugar mais ameno da casa
num dia solarengo de temperatura amorosa e natural
Alguns pássaros entram e saem da ameixoeira
Um gato no terreiro abre e fecha um olho a dormitar
Sob a aragem tépida da tarde o quintal sustém o astro sobre o mundo
como nós, esta salva madura de amoras sobre a mesa
e nossas línguas que rodam a humidade rubra da fruta
Nossas mãos entrelaçadas na carne e nos copos
distendem-se e contraem-se famintas e líquidas 
pelo exterior e interior submerso do vidro e do olhar
Quando descerraremos de luz este amor? 
Quando distenderemos os campos desta casa? 
Deixaremos os pássaros entrar, nidificar as árvores deste quarto
debruçados de frutos contra a noite infinita? 
Quando colheremos do telhado a diurnalidade dos girassóis?
Nutriremos a pele geminada das horas no sentido da vida?

illusio

August 6, 2022 § Leave a comment

É no pulmão da árvore que regresso nua à poesia

ou aos teus braços

ou ao teu peito descerrado

na pulsação da terra transpirada

que pouco importa o que desponta na paisagem

se é árvore se é pedra ou rio ou descampado

Já dei fruto

e o amor terno na copa

verte o corpo sobre o rosto da miragem

giphy.com

ignis

August 2, 2022 § Leave a comment

por ti amor abeirar-me-ei à porta do vendaval
onde se atreve a semente contra a aridez do peito
a vida incendiada contra o poente
antes da planície esventrada na paisagem
esvoaçar a árvore, enraizar o pássaro
perder-te do meu pranto num braço de rio

https://gifer.com/pt/Ozx

Atheos

July 19, 2022 § Leave a comment

Sinto saudade do tempo em que gotejava a poesia

cuidava o verso com genuína alma e desapego

Agora que os sentidos sobrepuseram-se à transparência

a alma arrasta-se até ao fundo da paisagem para olhar os pássaros

que já abandonaram as árvores em direção ao poema

algures desfeito no peito de uma nuvem que não choveu

atravessou muda a sede de um campo derramado

na voz indecifrável das palavras sangradas

contra uma planície ferida e sem retorno

Sine qua non

July 1, 2022 § Leave a comment

Certos poemas dão flor antes da plantação

quando o amor pela crosta da semente fecunda ainda a humidade da terra

Quanto ao fruto nada é seguro contra o bicho do tempo ou a cochonilha do espaço

Pouco se sabe se atingirá a maturidade limpa

É com a flor que me contento contra as invisíveis pragas do amor

Começo por cheirar o céu desde a raiz da cor

enquanto rodo as pétalas ao desabrochar das horas

Quando atingir o núcleo da corola

sei que o sol estará a pique da alucinação

e natureza já a definhar pelo gozo efêmero

da felicidade transparente

exercitatione

November 21, 2021 § Leave a comment

o poema começa contigo debruçado sobre as palavras

num impreciso dia de sol ou de vento ou de chuva

sorridente alheio às minhas vertiginosas aspirações

disferindo-me a luz mais reluzente a partir dos teus olhos

do sopro morno das tuas inauguradas mãos

da tua boca molhada da terra por onde vou chovendo a minha passagem

pela paisagem tão densa de pormenores inexplorados

como o teu corpo à mercê das minhas sôfregas expedições

que às vezes acho que avanço tão longe e tão rápido sobre a tua carne

que a terra desmoronada abandona-se desprendida do espaço de nós planadores

comigo no teu sentido despindo-me de todas as coisas “desimportantes”

como a queda a idade e as ponderações

porque a meio do poema ter-me-ás entretanto perguntado se sei por onde vou

e eu talvez te respondido que não sei bem e que não importa mas que me apraz

a natureza excessiva e imprevisível do amor na direção de nenhures

uma vez que o poema termina logo depois deste nosso abismo

quando tu extenuado de me olhares nestas minhas imprecisas labutas

de avançar sobre o teu corpo fundamental

desligas o sol e desprendes-te com um punhado de chuva no bolso

deste meu eclesiástico vento

Where Am I?

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